Crônica: Um intruso em sua terra
- Tamires Tavares
- 5 de ago. de 2016
- 2 min de leitura
Ele aguardava na plataforma até o próximo trem passar. Com a demora, vez ou outra olhava para a tela de seu celular. Seria apenas mais um homem tentando chegar ao seu destino através do precário sistema de transporte público de São Paulo, mas algo nele chamava a atenção, e ninguém passava por perto sem esticar os olhos ou virar a cabeça por curiosidade.
O trem chegou à estação e ele entrou. Imediatamente, uma inquietação tomou conta dos passageiros que, interrompendo seus pensamentos e conversas, viraram seus olhos para observar o indivíduo que ali adentrou.
Ele era um tipo comum, nem alto nem baixo, nem gordo nem magro. A pele morena não era nada anormal numa cidade onde os diversos tons de pele compõem uma multidão colorida e diversificada. Suas roupas comuns não eram o que chamava a atenção. Vestia apenas uma camiseta simples, calça jeans e tênis. Mas o que ele trazia além das roupas era, portanto, o motivo de tanto espanto: na cabeça estava um cocar com longas penas coloridas, que cobria os cabelos negros e lisos, e em suas mãos um grande arco e algumas flechas.
Mais olhares assustados e alguns cochichos e risadas sutis o faziam de alvo. O indígena pareceu não se importar com a recepção no vagão e sentou no primeiro acento vazio que avistou. Os demais passageiros pareceram incomodados com a sua presença. Expressões de indagações surgiam em seus rostos e não cessaram até que ele, ao chegar ao seu destino, desembarcasse.
Aliviados, os homens e mulheres voltaram ao seu estado normal. Voltaram às conversas, aos pensamentos, às leituras e esperavam que nada incomum os atormentasse novamente.
Naquele vagão estava quem julgavam que deveria estar: homens e mulheres que largaram suas raízes, que iniciaram sua cultura pós-descoberta – ou pós-invasão – e desconhecem ou desvalorizam o que havia aqui antes disso. Estavam naquele trem os “donos desta terra” e quem não é totalmente como eles é apenas um inconveniente, um intruso.
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